KIBO HUT para o CUME e o ACORDO

Meia noite, hora de partir. Fiquei tao comovida com minha conversa na noite anterior com o guia que praticamente gravei as suas palavras.


"_Silvano, não importa o que eu diga ou faça, não me deixa desistir. Conheço meu corpo, respeitarei meus limites, mas sei que consigo. Eu preciso. Vc entende? "


"_ Each of us has our own unique path, our own journey to walk. But in order do accept your place, your path in life, you have to know who you really are. You have to know what your purpose is."


Sorri. Silvano tinha entendido! Done deal!

Estava ABSURDAMENTE FRIO, não sei precisar o quanto. Meu peito era uma caixa oca, ouvia nitidamente meu coração tentando bombear oxigenio para meu corpo. A trilha era dividida em marcos: Gilman´s Point ==> Stella´s Point ==> Uhuru Peak. Estes dois ultimos sao praticamente a mesma coisa, só muda a distância entre eles.


De Kibo até Gilman´s Point foi um ENORME desafio, físico e psicologico. É muito, muito alto. Você é obrigado a subir em zigue-zague para dar tempo de seus pulmoões absorverem algum ar e o terreno eh um misto de areia fofa com neve, numa espécie de dunas em aclive EXPONENCIAL. Com sinceridade senti desespero. 
"_ Silvano, de agora em diante minha mente vai focar nos seus pés, não posso mais olhar pra cima.."


Caminhamos bem devagar ( pole, pole, como eles diem ). Meus passos pareciam os de padrinho quando entram na igreja de tao lentos. Nao dava para ser mais rapido do que isso.


Eram 4h da manha, nao estava ofegante, mas se nao parasse a cada 10m para respirar a dor que sentia nos musculos das pernas era INSUPORTAVEL.


"_  Don´t mind, Hakuna Matata. You´ll be there. Done deal", falava o meu guia sempre que achava que devia.


Pouco antes de chegar ao Gilman´s Point, a subida muda para uma serie de rochedos em degraus distantes e altos. O cumulo do TERROR FISICO. Mal pude acreditar quando cheguei ao tal Giman´s Point.

Eu tinha tanto sono, estavamos caminhando há horas sem comer e ainda precisavamos prosseguir. Faltavam ainda alguns metros pra cima, aclive, com ar bem mais restrito e neve, neve, neve. Acho que alcançamos o cume por volta do MEIO DIA. Estava DESTRUIDA. Nao consegui muitas fotos. Camera, bateria, tudo congelado. Quando consegui chegar ao Gilman´s Point pensei:

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Brincadeiras à parte, a esta altitude e com este frio, o que seu corpo considera exercício físico é te manter vivo. Todo o resto é secundário, terciário até. E isso incluir te dar forças para sair caminhando dali. Nessa hora , a força de vontade tem que ser maior que tudo, vc briga com sua mente o tempo inteiro. Vc nao pode parar de andar nem um segundo. Tirei 3 fotos ai onde deu e constatei que estava prestes a pifar.


" _ Aguento mais 40 min, 1h no maximo. " 

Nao conseguia pensar direito e estava com uma febre muito alta. Tava super fraca.


Meu unico objetivo era passar a parte dos rochedos depois do Gilman´s Point. Depois disso, apesar de super inclinado, o terreno era fofo, eu podia sair rolando, sei lá...


Dito e feito. Depois dos rochedos não consegui mais ficar de pé. Meu organismo me desligou da cintura pra baixo. E não é que não sentia as pernas, pelo contrário,  a sensação era de esfaqueamento de todos os lados. Caí. Queria dormir ali mesmo


"_ You´ve got altitude sickness. Hakuna Matata. Down there, you´ll be fine" , era só o que ouvia.


Não tinha como ir down there, eu nao andava. Silvano me deu um bastão de caminhar e colocou na minha mao esquerda, segurou a minha mao direita e usou o outro bastao para se apoiar. Quando ele me colocou de pé eu UGI de dor. So foquei em descer. Cravava o bastão no chão a minha frente e arrastava o corpo pra baixo com a ajuda de Silvano. Até o acampamento foram mais 2 horas, o que não foi grande consolo porque eu ainda precisava atravessar o deserto de volta para dormir em Horombo. Nao podia ficar em Kibo.


Mesmo sabendo que cruzar o deserto de noite não era a melhor ideia do mundo, pedi 1h pra dormir e remedio pra febre ( ...CONTINUA )

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Vocês devem estar pensando: Que idiota! Por que ela fez isso? Que programa de Indio, blabablabla.


Vamos lá: Meu blog, minha vida, meus sentimentos, minhas buscas. A resposta é:


     Eu conheci um homem há muitos anos atrás. Ele era severo, duro muitas vezes e extremamente crítico. Era também absurdamente observador e inteligente.
     Nós moramos juntos por um bom tempo e ele estava sempre me questionando, me pressionando, me forçando a não deitar a cabeça no travesseiro sem ter a certeza de que fiz o meu melhor, de que dei o máximo de mim naquele dia. Ele sempre dizia que a vida é muito difícil para quem não tem nada para herdar e que só trabalho duro, estudo e muita força de vontade eram o caminho.
     Esse mesmo homem duro e severo era também dotado de uma enorme capacidade de amar e de entrega para aqueles que conquistassem seu coração e confiança. E, como todos tem suas peculiaridades, era obcecado com o dia em que iria morrer.
     Nunca, absolutamente NUNCA me pediu nada para si, so brigava comigo para que sempre batalhasse por minha liberdade e meu futuro. E por isso mesmo me lembro das  únicas coisas que ele especificamente me advertiu e me pediu, nesta ordem:

• Cuidado com as palavras que digo para alguem, elas podem ser as ultimas;
• JAMAIS mudar meus habitos ou fraquejar no perseguir dos meus objetivos, fossem eles quais fossem, quando ele partisse. Isso o deixaria muito triste.

Dia 01 de junho de 2000 o coração desde homem bateu pela ultima vez.  E mesmo me esforçando muito, eu não consegui, desde então manter a mesma força de vontade de antes. Toda vez que me vi fraquejar, o fracasso era duplo porque, novamente, não cumpria a UNICA coisa que ele havia me pedido.


Tatuei um dragão nas costas como um símbolo do que ele foi pra mim: um guardião poderoso. Mas nem a presença do bichão na minha pele me libertou da agonia de não conseguir atender ao seu desejo.


Quando cheguei ao topo da montanha, numa jornada que considero DE LONGE a MAIS DIFICIL de toda a minha vida, senti que havia recuperado o poder da minha força de vontade em 100%. Eu CONSEGUI.


Sabem, este homem pode não ser reconhecido como um dos melhores professores do mundo, nem seu livro ter figurados como um dos maiores best-sellers da história, mas pra mim ele foi um sábio e sobretudo, este homem que descrevo como um dos mais decentes que já conheci, Aloizio Manna, foi o meu PAI e eu DEVIA ISSO A ELE.

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